Mafalda sempre deu prioridade aos palcos, superando diversos desafios para manter a dança como o seu foco principal, até encontrar a serenidade fora desse mundo.
Mafalda não esconde o choque emocional que sentiu quando aos nove anos a mãe lhe perguntou se queria “entrar numa escola um pouco diferente”. Sendo professora de balé e vendo o talento e gosto da filha pela dança decidiu apresentar-lhe um novo rumo de vida. Questões como “será que vou fazer amigos” acompanharam esta mudança, mas a mãe não deixou que esses medos se tornassem impeditivos.
“A partir do momento que entrei naquela escola fiquei completamente apaixonada, era como nos filmes”, confessa Mafalda. “Os estúdios de balé, os cacifos, as meninas a andar com roupa de dança, como nas séries que víamos”. Os medos que tivera em tempos tinham desaparecido: “Sentia-me super acolhida”.
Descrita por Mafalda como uma jornada intensa, a vida no conservatório era “uma confusão”, com horários preenchidos, intercalados com teóricas e práticas. Nos primeiros anos, o currículo era equilibrado entre disciplinas académicas e aulas de dança mas, à medida que crescia, a ênfase na dança aumentava.
Mafalda revela que durante o tempo no conservatório refletiu sobre a possibilidade de explorar outras áreas além da dança. “Domina muito a tua vida, tira-te tempo. Sempre gostei de fazer tantas coisas, que eu sentia que era um sufoco”. Passou a sentir que se escolhesse o caminho da dança “não podia fazer mais nada na vida”.
Devido à hipermobilidade dos seus ligamentos, Mafalda tornou-se mais suscetível a lesões. A mais grave aconteceu num ano “mesmo muito cansativo”, repleto de acontecimentos, desde competições internacionais à Covid-19.
Num passeio de família, uma semana depois de recuperar de uma lesão na sua rótula direita, a rótula do seu joelho esquerdo também saiu, mas desta vez rompeu um ligamento. Mafalda enfrentou dores intensas, “Foi uma dor horrível, não conseguia mexer a perna, não conseguia andar, não conseguia fazer nada”.
Esta lesão resultou numa operação de emergência. Muito fragilizada, Mafalda deparou-se com um dilema: “Foi uma decisão de queres dançar ou nunca mais vais querer dançar?” Ainda hoje se lembra vivamente do impacto que esta decisão teve.
A operação resultou num longo período de recuperação, que foi perturbado pela Covid-19, obrigando Mafalda a ir para casa mais cedo. “Ter saído da medicação da veia quando foi para casa, foi a pior dor”, conta Mafalda, que acrescenta: “Devia ter começado a fazer a terapia depois de dois meses parada e só comecei a fazer quatro meses depois”.
Apesar de todos os desafios físicos e emocionais, Mafalda continuou a dar prioridade à dança na sua vida: “No dia em que eu tomei a decisão de operar para continuar a dançar, o meu foco era mesmo melhorar, recuperar e ficar melhor do que alguma vez estive.”
Para superar o trauma físico e emocional da lesão, trabalhou arduamente com profissionais de saúde e psicólogos. “Muitas vezes queria fazer um salto e não conseguia porque era muito mental”. Desenvolveu medo de fazer certos passos de dança, como “um simples lift”.
Apesar dos contratempos, Mafalda conseguiu recuperar e entrar numa companhia de dança. Descreve a sua experiência na Junior Ballet Antwerp como uma montanha-russa de altos e baixos. A mudança para a Bélgica, uma “cidade fria” e com uma “mentalidade fechada”, fez Mafalda sentir-se isolada.
Devido a problemas pessoais, queria desistir: “Ao inicio, estava na companhia, mas eu já não queria estar lá, não me sentia incluída e, no primeiro ano, quis desistir.” No entanto, com a ajuda dos pais que a incentivaram a continuar a tentar, Mafalda decidiu focar-se por completo na dança.
No inicio do segundo ano, os diretores confiaram-lhe um dos papéis mais importantes de uma peça. No entanto, ensaios bastante intensos originaram “imensas dores no pé direito”. Devido à constante pressão e força sobre o seu pé, Mafalda criou calcificações no tendão de Aquiles, que resultaram numa bolsa de inflamação. Viu-se novamente confrontada entre continuar a dançar ou interromper a sua participação nos espetáculos, devido à desconfiança dos diretores da companhia quanto à sua lesão.
Entre a intensidade dos espetáculos, a sua lesão e a falta de apoio, Mafalda “estava a entrar num estado mesmo depressivo e de esgotamento total”. Dada a opção, escolheu a fisioterapia, ao invés de operar: “Não fazia sentido estar a desperdiçar tudo o que eu tinha trabalhado”. E confessa: “Estava a matar-me psicologicamente e fisicamente, porque ficava desgastada”.
Apesar de ter decidido ficar na companhia, quando a experiência terminou decidiu “parar um bocado”, pois “precisava de respirar”. Entrou na Faculdade de Belas Artes, especificamente no curso de Design e Comunicação. Embora estivesse “nervosa por retornar aos estudos após dois anos”, viu a oportunidade como um novo desafio que tanto precisava.
Mafalda não se arrepende da sua experiência na dança, considerando que lhe proporcionou uma “grande maturidade”: “Se não tivesse estado no conservatório não seria a pessoa que sou hoje”. Apesar de tudo o que viveu, a sua paixão pela dança ainda é algo muito presente. Atualmente dá aulas de dança a crianças e afirma que no futuro gostaria de voltar a dançar.
Editado por António Granado