São 4 milhões e 400 mil os jogadores online em Portugal. Mais de metade tem menos de 35 anos. No segundo trimestre de 2024, o Estado ganhou quase 77 milhões de euros em impostos. Os jogadores perdem sempre.
Dinis perdeu. Não só o seu dinheiro, mas também o da sua família. “Roubei o ouro todo à minha mãe. Em seis meses gastei 100 mil euros.” Para apostar em competições desportivas, começou a roubar dinheiro aos pais com 12 anos, mas as vítimas nem sempre foram as mesmas. Durante uma explicação de matemática, foi à casa de banho e, no trajeto, encontrou a carteira da explicadora, que tinha 800 euros. “Tirei o dinheiro todo”.
Hoje, Dinis tem 23 anos, é estudante de medicina e pratica ténis. Já não aposta desde janeiro de 2024 e vive “uma vida normal”, fora da casa dos pais. Treina quase todos os dias e admite um amor pela modalidade que brotou aos 11, 12 anos, a mesma altura em que começou a apostar. “Íamos almoçar a um café e ao lado havia uma papelaria. O senhor deixava-nos o NIF (Número de Identificação Fiscal) dele. Nós dávamos-lhe o dinheiro, dizíamos as apostas. Depois preenchíamos o boletim, ele ia lá e metia. Quando fosse para levantar, ele dava-nos”, explica o jovem.
Os anos foram passando e as apostas tornaram-se parte da vida de Dinis. Admite que nunca sentiu prazer, considerando o seu comportamento “compulsivo”. Jogava porque “era dinheiro fácil” e percebia de desporto. Com 200 euros chegou a ganhar 5 mil. “Comprei uma PlayStation e um plasma lá para casa, gastei dinheiro na noite e o resto do dinheiro, à volta de 4 mil euros, apostei. Passado uma semana, estava a vender a PlayStation e a televisão. Fiquei sem dinheiro, vendi aquilo para apostar e perdi também”. Quando saiu da casa dos pais, para ir estudar para a faculdade, sentiu que ninguém o podia controlar e admite ter perdido dois anos de faculdade por conta do jogo.
Segundo Pedro Hubert, especialista em adição ao jogo no Instituto de Apoio ao Jogador, o jogador é caracterizado por “perder o controle”, por ignorar as consequências negativas, pela “troca de prioridades” e por “continuar a jogar para recuperar o dinheiro que perdeu”. O psicólogo detalha que, caso estes comportamentos se mantenham durante “seis meses, um ano, faz com que as características de um jogador sejam patológicas.”
Os pais de Dinis perceberam que algo se passava. Ao começarem a receber chamadas de pessoas que lhes diziam que o filho devia dinheiro, decidiram que o jovem deveria ser internado. O que aconteceu, não uma, mas duas vezes. Dinis reconhece que o primeiro internamento não lhe fez muito sentido: “Tinha 18 anos. Mal saí, recaí”. Nessa altura, voltou a jogar durante duas semanas. Depois, conseguiu não jogar durante nove meses, mas recaiu novamente. Desta vez, foram seis meses a jogar.

O jovem estudante jogava em apostas desportivas online, plataforma na qual Pedro Hubert admite que há “mais potencial de dano”, já que “é mais acessível, há mais diversidade, é mais anónimo, a noção do dinheiro não é tão forte. Gasta-se mais facilmente, tem tudo para ser mais prejudicial.” Contudo, o especialista defende que “as ferramentas para o jogo responsável, a nível da auto-exclusão e da prevenção, no online, também funcionam melhor”. Dinis autoexcluiu-se aos 18 anos. Porém, continuou a jogar “em contas de amigos, ou muitas vezes em casas ilegais”, o que aconteceu nas duas últimas recaídas que protagonizou.
As recaídas afetaram a vida de Dinis: “Fico completamente disfuncional. Acordo a pensar em jogo, meto a primeira aposta, antes sequer de lavar os dentes ou tomar o pequeno-almoço”. O jovem, antes do seu segundo tratamento, teve ajuda psicológica. No entanto, a mesma não o impediu de continuar a ter problemas de jogo. Não por culpa da psicóloga, mas por culpa do próprio, explica. “Estava a ter a consulta e a jogar no separador ao lado”. O jovem procurou, igualmente, outro tipo de ajuda nos Narcóticos Anónimos, aos quais se juntou porque “o programa é o mesmo dos Jogadores Anónimos” e “há cinco anos não havia muita gente nos Jogadores Anónimos como há hoje”.
Na sua segunda recaída, Dinis parou de jogar durante cerca de um ano. Depois de se ter afastado, durante dois ou três meses dos Jogadores Anónimos, teve uma nova recaída, que se voltou a repetir, em mais outra ocasião, com um novo afastamento das reuniões dos Jogadores Anónimos meses antes. Jorge A., membro de um dos grupos de Jogadores Anónimos de Lisboa, considera que “é um problema que, tratando sozinho, não vai desaparecer” e acrescenta que, nas reuniões, “cada um fala do que quiser, é um espaço seguro e aberto, sem julgamentos.” Pedro Hubert defende, também, a importância dos Jogadores Anónimos. “Vão estar ali numas reuniões a perceber que não são os únicos, têm identificação, estão integrados, podem pedir ajuda, verbalizam, ouvem, aprendem muita coisa”.
“Depois de estar 24 horas sem comer, a fumar droga e só a jogar levantei-me e desmaiei. Bati com o nariz no estrado da cama, parti-o e tive que ser operado logo a seguir”. O episódio que Dinis relata aconteceu no ano passado, numa das suas recaídas. Apesar do sucedido, à época, Dinis não se enquadrava em idade de maior vulnerabilidade de desenvolver adição ao jogo. Quem o explica é Pedro Hubert: “O córtex pré-frontal, que é onde está o controle dos impulsos, das relações sociais, já só está muitas vezes formatado, definitivamente, lá para os 22, 23 anos”. O especialista detalha, ainda, que “a libertação de dopamina – num cocainómano, quando está a consumir cocaína, ou num jogador patológico, quando está a fazer apostas na roleta, ou apostas desportivas – é igual”.
Dinis já não joga há nove meses e admite que às vezes tem vontade de jogar, mas a sua forma de combater “é muito à base da partilha.” Equilibra o seu tempo com as conversas diárias com os pais, com a namorada, com o ténis, com a faculdade e com as reuniões, que fazem agora parte da sua vida. Dinis não esquece o que aconteceu. “O que me afetava mais era a minha cabeça, a parte mental, a consciência. Destruía-me por dentro”, afirma. No entanto, “se calhar, como as pessoas que roubam para comer e não têm dinheiro, eu roubava para jogar porque era a minha necessidade”.
O jovem não faz parte dos 4 milhões e 400 mil jogadores online e, também, já não representa a realidade das casas ilegais. A mesma que escapa aos relatórios trimestrais do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ), onde apenas são indicados dados de casas certificadas e com licenças. Ainda assim, o SRIJ revela que, em 18 meses, notificou 648 sites ilegais para bloqueio.

Os relatórios trimestrais do SRIJ indicam que o Estado português recolheu, nos últimos 18 meses, 430 milhões de euros de impostos provenientes do jogo online. Para onde vai este dinheiro? Para onde vai não foi possível saber, pois o SRIJ mostrou-se indisponível para falar durante a elaboração desta reportagem, mas Pedro Hubert sabe para onde devia ir: “Muito desse dinheiro deveria ser canalizado à prevenção, ou seja, nas escolas, nas faculdades, a nível das câmaras, das juntas de freguesia, dos hospitais, dos médicos de família, da televisão, dos jornais, deveria haver uma informação muito mais ampla sobre os problemas de jogo.”
Conheça os apoios para jogadores
O Instituto de Apoio ao Jogador (IAJ) trabalha profissionalmente “para tratamento da dependência do jogo”. Saiba mais no site do IAJ.
Autoexclusão é o processo em que um jogador voluntariamente se exclui da plataforma online onde joga, ou de todas as outras. Saiba mais aqui.
Os Jogadores Anónimos são uma “irmandade de homens e mulheres” que se reúnem com o objetivo de partilharem histórias e superarem um problema comum – o jogo compulsivo. Informações sobre contactos e horários estão disponíveis aqui.
NOTA: Imagens geradas por inteligência artificial