Num percurso de altos e baixos, André, nome fictício, atingiu o ponto crítico depois de “ter apostado trinta mil euros em odds de 1,5 para baixo”.
Aos 27 anos, André trabalha na recolha seletiva do lixo e tem família constituída, mas não esquece o período atribulado que atravessou na sua vida, fruto do vício em apostas online. Com simplicidade e naturalidade, abre-se e dá a conhecer a altura em que perdeu o controlo, mas lutou para reconstruir a sua história.
Foi ainda na adolescência, aos 16 anos, que André mergulhou no mundo dos jogos de azar, influenciado pelo seu pai, que jogava póquer. Foi então que, mais do que observá-lo, passou ele próprio a jogar. Este interesse inicial no jogo foi sendo ampliado e o rumo que tomou passou pelas apostas desportivas. Sites como a Betclic e a Betano tornaram-se um elemento central da sua vida, numa espiral de adrenalina, prazer e busca pelo lucro insaciáveis. “Sempre que ganhava, isso dava-me adrenalina para tentar ganhar mais e depois ficava sem dinheiro, sempre foi uma bola de neve”, admite André.
Já profundamente envolto neste turbilhão no qual se havia perdido, a tomada de consciência da situação que vivia chegou. André só percebeu que este hábito já transcendia a barreira do jogo lúdico e da pura diversão e que se tratava de um problema de adição, “quando perdia o dinheiro e já não sentia nada”. Independentemente do valor que perdia, fossem “mil ou dois mil euros”, no lugar do arrependimento reinava a indiferença. Ao invés do sentimento estava um vazio emocional, que só era preenchido pela sede de mais uma aposta – e de outras tantas.
Num estado de total conformismo, reconhecia que no mês seguinte o seu destino poderia voltar a ser o mesmo, mas tendo sempre vincadamente presente a crença de que poderia ter a sorte a seu favor e ganhar. Mas o resultado não foi diferente. Num espaço de nove meses, apostou 30 mil euros em apostas de baixo risco.
No dia a dia, o dinheiro começou a ser um tema que dava que falar nas suas relações com a família e os amigos. Do lado dos pais, instalou-se uma desconfiança, porque no mesmo dia em que recebia o ordenado André voltava a pedir dinheiro. Para isto, arranjava mentiras nas quais nem mesmo o próprio acreditava.
“Uma vez fui ao dragão e perguntei à minha mãe se ela me podia enviar 200 euros porque tinha mandado um pontapé numa pedra, tinha acertado no vidro de um carro e tinha partido o vidro”. Chegou, inclusive, a tirar o cartão da mãe para levantar dinheiro sem que ela tivesse conhecimento, na esperança de conseguir dobrar e repor o dinheiro na conta. A verdade é que nunca conseguia e, eventualmente, tanto a mãe como o pai viriam a dar pelo montante em falta.
A junção de todos estes fatores representou o ponto de viragem para que André contasse aos pais acerca da sua patologia. A pedido do filho, alteraram os pins dos seus cartões e, hoje em dia, segundo conta André, “não me dão dinheiro físico, ainda há essa desconfiança. Se preciso de ir comprar fraldas para a minha filha, dizem “vou contigo””.
No entanto, o vício não impactou apenas a relação com a família, mas também com os amigos. Cada vez que lhes telefonava pretendia mais do que um café. “Perdi vários amigos por causa disso”, relembra André desgostoso. Ainda hoje, ao tentar contactá-los, não lhe atendem sequer as chamadas por receio de que, na origem da tentativa de contacto, esteja um novo empréstimo.
Depois de se ter apercebido que estava a viver com um problema, tomou a iniciativa de partir em busca de uma solução. Assim encontrou na Internet a irmandade dos Jogadores Anónimos, cujas reuniões passou a frequentar. Neste novo espaço sentiu-se compreendido e teve a possibilidade de criar um sentido de identificação por partilhar momentos com pessoas que vivem ou viveram experiências semelhantes.
Apesar de já não ter a disponibilidade para marcar presença nas reuniões com a mesma regularidade, compensa a incompatibilidade horária com uma forte postura de compromisso. Tal não significa que André se assuma como um caso de superação total, mas como uma pessoa que, por vezes, continua a apostar. Apenas o faz de forma mais consciente e controlada: “Antigamente, se tivesse mil euros, era mil numa aposta. Agora, de vez em quando, prefiro matar aquele bichinho com vinte euros, mas já não aquelas quantias astronómicas que costumava gastar”.
Pleno de consciência e de carinho, André confessa: “Agora tenho de pensar mais na minha filha, porque se não houver dinheiro, como é que vou sustentá-la com fraldas e essas coisas todas?”. A família é o principal motor por trás da vontade de um homem que, reconhecendo os erros do passado, procura uma vida mais estável, não só para si como para aqueles que o rodeiam.