A “doença do jogo”: reconstruir a vida

Durante quatro anos, Pedro Carvalhal, nome fictício, escondeu o vício aos familiares e aos amigos, tornando-se a sua única companhia, que quase destruiu a sua vida – “só me sentia bem enquanto jogava.”

Pedro Carvalhal é um jovem de 22 anos que divide o seu tempo entre o futebol e o seu trabalho num restaurante McDonald’s. Apaixonado por desporto desde muito cedo, Pedro é um jovem atlético e ativo. Mas por trás desta trivial rotina, revela-se a história de um jovem que se deixou vencer por aquilo que começou por ser apenas uma brincadeira – as apostas desportivas.

Quando Pedro atingiu a maioridade, um amigo seu pediu-lhe que fizesse uma aposta desportiva por si, uma vez que ainda era menor de idade e não podia apostar legalmente. Sem pensar muito nas futuras consequências que aquilo que poderia trazer, Pedro aceitou o pedido sem relutância.

Esta porta que se abriu a um mundo desconhecido pareceu-lhe altamente fascinante e cativante. No entanto, nunca imaginou que um dos seus maiores prazeres se poderia tornar o seu maior inimigo. Aos poucos, as apostas foram-se tornando parte do seu dia a dia até se tornarem uma adição. Apostava maioritariamente em jogos de ténis e futebol, os seus desportos favoritos, e acompanhava cada resultado como se a sua vida dependesse exclusivamente daquilo.

Durante o seu período de trabalho era frequente pedir ao seu chefe uma pausa para ir à casa de banho. Com o telemóvel nas mãos durante esse curto período, o seu objetivo não era fazer “scroll” nas redes sociais, nem responder a mensagens, mas verificar todos os jogos de futebol e ténis que iriam ocorrer e apostar em tudo o que fosse possível. As apostas consumiam-no a cada minuto do seu dia a dia – no trabalho, nos treinos, ou em qualquer outro sítio.

Certa vez, o dinheiro do salário não demorou mais que duas horas para desaparecer da sua conta bancária diretamente para as apostas desportivas. Era o início do mês, e o dinheiro tinha sido utilizado unicamente para este tipo de apostas, deixando o jovem totalmente assoberbado e assustado. Mais tarde, conseguiu ganhar coragem para contar aos pais o sucedido. O pai, mais cabeça quente e nervoso, acabou por sair de casa nesse mesmo instante por não aguentar um misto de raiva com desespero pela atitude do filho, e acabou mesmo por lhe partir o telemóvel. A mãe, permanecia na frente no filho perplexa.

Rapidamente se apressaram em procurar ajuda para o filho e decidiram pô-lo num psicólogo especializado neste tipo de adições, através de um plano governamental. Pedro melhorou durante algum tempo, mas não por muito. Assim que se achou recuperado, Pedro envolveu-se, novamente, nas apostas e encontrou-se de novo na espiral do vício.

Nesta altura, começou a pedir dinheiro aos pais sob falsos pretextos e não demorou até fazer um crédito de dois mil euros, após uma desilusão amorosa. Certamente, pensava Pedro, teria mais sorte no jogo do que no jogo amoroso. Mas este ditado popular não poderia estar mais errado e o jovem perdeu todo o dinheiro do crédito que tinha feito. Logo após este episódio, o jovem foi, uma vez mais, fazer outro crédito do mesmo valor que o anterior. Perdeu tudo.

Com o acumular das dívidas, a única alternativa foram os colegas de equipa onde jogava. Para conseguir dinheiro, começou por dizer aos colegas que não tinha dinheiro para pagar a gasolina para ir para o treino. Chegou a ter dívidas de 300 euros com, pelo menos, um amigo que é, até hoje, um dos seus melhores amigos.

Quando a situação se tornou insustentável, Pedro pensou numa solução, com a ajuda de uma psicóloga. Em primeiro lugar, contou aos pais todas as dívidas que tinha, pedindo-lhes apoio emocional e não financeiro; em segundo, começou a frequentar as reuniões dos Jogadores Anónimos, onde encontrou pessoas com histórias tão ou mais complicadas que a dele. Neste espaço de cooperação e entreajuda, Pedro encontrou uma base sólida para conseguir falar da sua história com maior tranquilidade e perceber que a sua doença não única e exclusiva.

Actualmente, Pedro está em recuperação (já não joga) há mais de 90 dias. O jovem conseguiu arranjar algumas alternativas para combater a tentação de cair de novo no vício. Por enquanto, continua a praticar futebol, frequenta aulas de inglês e as reuniões dos Jogadores Anónimos. Comprou um livro e começou a lê-lo, que há uns anos seria inimaginável conseguir fazê-lo. Apesar de alguns tropeços, conseguiu recuperar a confiança dos pais e obter, de novo, a sua liberdade financeira para poder desfrutar a vida como lhe apetece.

O vício é um desafio que exige uma vigilância constante e Pedro sabe-o. Após estes 90 dias, Pedro sente-se cada vez mais confiante para mudar o rumo da sua vida e acredita que não vai voltar a sucumbir ao desejo de jogar. Reconstruir a sua vida e as suas relações de amizade e familiares são a sua prioridade. O olhar de Pedro revela esperança no futuro.

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