João: descobrir a adolescência e o HIV ao mesmo tempo

João Moreira, nome fictício, contraiu HIV ainda adolescente, com 17 anos. “Fui fazer análises por acaso e chamaram-me para ir fazer uma segunda análise, porque tinha dado positivo”, explica. “Depois de descobrir, fui encaminhado para o hospital para fazer os tratamentos, outras análises, e começar a medicação”.  

A experiência de João descreve a realidade de muitos jovens portugueses. Segundo os relatórios do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), as infeções sexualmente transmissíveis (IST) tiveram um aumento exponencial nos últimos quatro anos, com principal incidência nos jovens entre os 20 e os 24 anos.

Do momento em que descobriu que era portador de uma IST até aprender a conviver com ela, João percorreu uma longa viagem de ajustes em medicação, de combate ao estigma e, finalmente, de procura da ajuda que se adequasse.

De olhar cabisbaixo, João conta como a primeira medicação que lhe foi atribuída não o fazia sentir bem, dando-lhe vontade de vomitar sempre pela manhã. Assim viveu durante seis anos. Por momentos, em busca de alívio, deixou de a tomar: “A minha imunidade baixou e apanhei outras doenças sexualmente transmissíveis”, neste caso gonorreia e sífilis.

A gonorreia, a sífilis e a clamídia são as principais infeções sexualmente transmissíveis que os jovens contraem nos dias de hoje. Embora possam ser curadas com antibióticos, precisam de ser tratadas tão rapidamente quanto necessário porque podem deixar mazelas como infertilidade, dor crónica, lesões neurológicas, cardiovasculares e viscerais. Em mulheres grávidas poderão ainda surgir complicações no parto, como conjuntivite e pneumonia no recém-nascido. 

Para fazer face a estes problemas, os especialistas reforçam a urgência da testagem, de forma a não só controlar o aumento de casos, como a tratar as infeções assim que encontradas. Rute Branco, ginecologista-obstetra no hospital Amadora-Sintra, defende a indispensabilidade de rastrear a população mais jovem, e lamenta não haver comparticipação para estes testes de rastreio.

“Tento sempre falar nesta questão das ISTs [com os pacientes], se utilizam o preservativo, se sabem o que são doenças sexualmente transmissíveis, se sabem como poderão proteger-se delas”, conta Rute Branco. “E a resposta muitas vezes é de que eles têm conhecimento, mas depois chegam-nos também muitas jovens que têm conhecimento da doença e ainda assim a contraíram, mesmo sabendo que podiam utilizar o preservativo como forma de a prevenir”.

Rute Branco acredita que o problema não seja a falta de informação, mas “talvez a ingenuidade ou a cedência a uma qualquer pressão”. A médica ginecologista conta ainda que recebe frequentemente jovens que afirmam não usar qualquer método de proteção por desejo do parceiro ou da parceira: “Por dizer que dói, ou que aperta, ou que não sente o mesmo prazer. Isto é o que leva a muitos jovens a acabarem por ter relações desprotegidas e depois contrair estas doenças sexualmente transmissíveis.”

João Moreira explica a gestão da prevenção que tenta fazer na sua relação: “Já tentei falar um pouco mais abertamente sobre esta questão do HIV [com o meu companheiro], ele diz que não tem, nunca apanhou, mas eu já lhe pedi para, por exemplo, fazer um teste e mostrar-me, e ele nunca mostrou. Isso deixou-me um bocado inseguro. A relação que temos é então sempre com preservativo”. 

Quando soube ter HIV, João acreditava que a doença o impediria de viver a vida. Na altura, alugava um quarto numa casa onde vivia com outros jovens e com o senhorio, um homem mais velho. Guardou o diagnóstico para si, refugiando-se do preconceito: “No início não foi nada fácil para mim, foi um impacto grande, porque era uma doença que não estava muito bem aceite”. Partilha ainda que esta dificuldade partia, em parte, de acreditar que a doença não tinha cura. Hoje sabe que, embora não tenha cura, pode viver a sua vida normalmente, tomando os medicamentos certos.

Os colegas de casa ficaram a saber da infeção, ao terem ido pesquisar na internet o que eram os frascos da medicação que tomava. A reação do dono da casa não foi boa, conta João, constrangido. Para sua surpresa, os restantes jovens receberam a notícia de forma tranquila.

Tendo passado a vida com apoio de diversas instituições, João hoje conta com a ajuda da Abraço – instituição de apoio a pessoas com HIV e ISTs. Partilha orgulhosamente que, com a assessoria da associação, tirou um curso de 100 horas de língua espanhola, está a iniciar um curso de técnico de secretariado, também de 100 horas, e prepara-se para tirar o 12º ano de escolaridade, que lhe abrirá as portas para o mercado de trabalho.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *