A “infantilização das conversas” é uma das microagressões sentidas por Fernanda, de 74 anos. Foi só nos últimos anos que percebeu que desvalorizavam as suas ideias, por causa da idade. Fernanda já ouviu, mais do que uma vez, a expressão: “Dá-lhe um desconto, já é velha”.
Reformada há quase seis anos, Fernanda dedicou a maior parte da sua vida ao ensino. Professora de Educação Moral e Religiosa Católica, Fernanda recorda a experiência que teve no último colégio em que lecionou e no qual lhe foram atribuídas duas turmas, quando chegou. No ano seguinte, Fernanda passou a ser professora de mais de 120 crianças e jovens entre o 1º e o 9º ano de escolaridade: “Os alunos inscreveram-se, porque perceberam que eu não ia ensinar o ‘Pai Nosso’ e o ‘Avé Maria’, mas que ia ensinar coisas mais importantes, como a tolerância e o respeito pelo outro”.
Atualmente a frequentar a oficina de teatro da ‘Truta&Meia Produções’, Fernanda encontrou na representação um lugar seguro para se expressar e para quebrar preconceitos, já que os últimos anos em que trabalhou foram pautados pela hostilidade: “Se houvesse sala de aula, havia. Se não houvesse sala, não havia. Cheguei a dar aulas nas escadas do colégio”.
Uma vez, conta Fernanda, acusaram-na de ter mentido, depois de referir que tinha uma consulta médica, insinuando que “não sabia o que dizia”. Foi por essa altura que Fernanda adotou uma alcunha, pela qual é hoje conhecida nas redes sociais: “fefé velhota”. “Para mim, velhota é um carinho, é um termo carinhoso”.
Formada em Germânicas pela Faculdade de Letras, em Lisboa, Fernanda voltou a estudar com 50 anos, desta vez Ciências Religiosas na Universidade Católica, também em Lisboa, no ano de 2000. Na altura, a viver em Aljustrel, no Alentejo, de onde é natural, fazia mais de 300 quilómetros por dia. “Dava aulas até às quatro e meia da tarde, pegava no carro e vinha para Lisboa. Pelo caminho, trazia o resto do pessoal, éramos cinco, e tínhamos aulas até às onze da noite. Chegava sempre a casa de madrugada”.
O primeiro trabalho de Fernanda foi numa companhia de seguros, seguiu depois para Moncorvo, em Bragança, onde foi secretária de uma empresa de minas. Contudo, foi só a partir de 1987 que começou a dar aulas de Educação Moral e Religiosa Católica, a convite do chefe dos escuteiros. “Fui sempre uma professora de educação moral mais virada para o humanismo do que para a beatice”.
Apesar de considerar que é forte e resiliente, Fernanda lamenta que se “tratem muitas vezes os idosos como crianças” ou que “expliquem as coisas em demasia e de forma infantilizada”, como acontece, por exemplo, quando é abordada telefonicamente em campanhas publicitárias. As netas dizem-lhe, em tom de brincadeira, “lá estás tu com o teu mau-feitio”, mas Fernanda responde: “Se nunca fiz favores a ninguém, porquê começar agora? Eu não sou uma coitadinha ou uma tonta. Quero ser tratada como uma pessoa adulta. Ponto.”
A partir de certa altura, Fernanda era sempre “a mais velha” nas reuniões de professores, mas não tem dúvidas que “de espírito era a mais nova”. Porém, era nos olhares e na forma condescendente como, muitas vezes, a tratavam que Fernanda sentiu a subtileza das micro-agressões: “Coitadinha, está no fim da vida”.