Leandro Vasconcelos: visto negado, sonhos adiados

Encontrou na dança uma paixão tardia. Percorreu fronteiras e ultrapassou estereótipos, mas foi um imprevisto burocrático que conduziu Leandro Vasconcelos a outros voos profissionais

Esta é uma peça da série “Dançando contra a maré”, que foi descobrir onde estão agora os alunos da Escola Artística de Dança do Conservatório Nacional, do ano letivo 2020/2021

Leandro Vasconcelos começou a dançar “tarde”, com 14 anos, numa pequena escola em Torres Vedras, a sua terra natal. Apesar de reconhecer que, em criança, era irrequieto, andava “sempre às cambalhotas”, apenas considerava a ginástica como uma opção.  Após uma atuação escolar no oitavo ano, uma professora de dança reconheceu-lhe talento e convidou-o para aulas de ballet

Devido ao ambiente que o rodeava, o ballet nunca tinha sido uma possibilidade: “numa cidade pequenina, havia aquela ideia de o ballet ser para raparigas; nunca sequer tinha pensado na opção de fazer disso um trabalho”, confessa o bailarino. Contudo, bastou-lhe experimentar para perceber que era o que queria. 

Com apenas um ano para se preparar e entrar no Conservatório Nacional, em Lisboa, passou a fazer horários extras. “Foi assim uma aventura”, admite. Foi às audições, juntamente com cinco amigos da Escola de Dança de Torres Vedras, e até hoje não esconde a felicidade que esse dia lhe proporcionou: de 40 candidatos apenas ele e outro passaram. “Sabia que o nível era super alto, sabia que ia ser um desafio, mas estava pronto para fazer o que tivesse de fazer”, reafirma.

“O primeiro ano foi muito complicado”, admite. Tinha começado a dançar há apenas um ano e agora, aos 15 anos, encontrava-se entre os melhores alunos de dança do país.

Apercebeu-se de imediato que o seu “nível era muito abaixo do resto” e as primeiras notas foram negativas. Será que foi a decisão correta? Será que vou conseguir apanhar o ritmo? Estas eram perguntas que o acompanhavam todos os dias, ainda mais porque se tinha mudado para Lisboa.

A rotina no Conservatório Nacional revelou-se “muito mais puxada do que uma escola normal”. Tinha aulas das 08h às 19h todos os dias – duas horas teóricas e seis dedicadas à dança -, mais espetáculos em alguns sábados e, por vezes, até aos domingos. Apesar destas dificuldades iniciais, o seu amor pela dança era maior, levando a que os três anos vividos no Conservatório fossem “os melhores anos” da sua vida.

Nem à terceira foi de vez

Após concluir o curso, Leandro Vasconcelos conseguiu um contrato com uma companhia de dança em Orlando, nos Estados Unidos. Era o seu sonho e “ainda hoje é”. Com três grandes malas, o bilhete na mão, casa alugada em Orlando, tudo pronto, Leandro dirigiu-se ao aeroporto. No embarque, o sonho escapou-lhe pelos dedos ou, neste caso, por problemas com o visto. Já não voou.

Apesar deste primeiro contratempo, o bailarino seguiu a sua carreira numa companhia em Itália, até que, poucos meses depois, a oportunidade de ir trabalhar para os EUA voltou a surgir, desta vez para a Broadway de Nova Iorque. Contudo, o seu sonho voltou a ser interrompido. Não por causa do visto, mas devido à pandemia Covid-19, entre 2020 e 2021.

Leandro Vasconcelos juntou-se então à companhia russa Saint Petersburg Ballet, com a qual realizou uma turné pela Europa enquanto aguardava pelo visto. Dançou em 10 países. No entanto, nem à terceira foi de vez. O problema do visto ressurgiu: quando soube que iria atrasar um ano, começou “a pensar em outras opções”. Relembrou um velho gosto pela aviação e um plano que tinha concebido há uns anos: “Pensava em, depois de ser bailarino, lá para os 27, 28, ser hospedeiro de bordo”. Perante a situação incerta, decidiu inscrever-se na EasyJet Airlines (companhia aérea), onde realizou testes durante sete meses. Apesar de ter feito os testes “um bocado na brincadeira”, acabou por entrar e mudou-se para Amesterdão.

Um mês após estar a trabalhar na companhia aérea, recebeu a tão esperada e ansiada notícia: o seu visto estava finalmente válido. A oportunidade que sempre quisera estava ali, finalmente, ao seu alcance. Mas ao contrário do que se poderia pensar, depois de experienciar a nova vida que tinha, com “a liberdade, a vida social, o ordenado três vezes maior”, onde tudo era mais fácil, a decisão não foi, provavelmente, a esperada.

“A pressão a todos os níveis. A pressão que tu metes a ti próprio. A pressão que os teus professores te metem. E os teus diretores…”

É a pressão que envolve a vida de um dançarino que levou Leandro Vasconcelos a “recuar um pouco”. Admite que a dança é o que mais gosta de fazer, mas há um outro lado: “consome, não se tem uma vida, tira-te tempo, tira-te tudo. ”. Atualmente, pratica dança diariamente como hobby, o que lhe proporciona uma nova forma de encarar esta arte: “não há aquela pressão de ter que melhorar, ter que cuidar da alimentação”.

Não alterava nada no seu percurso, afirma sem rodeios que a paixão nunca se foi embora e que quer voltar a dançar como profissão, mas decidiu ficar a trabalhar na Companhia Aérea: “é onde estou agora e depois logo veremos”.

Editado por Dora Santos Silva

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